Não há nada que atinja o coração que a vontade não seja capaz de controlar e moldar. Afinal, não ter forças para governar a si mesmo é não ter poder para servir a Deus: não existe, no entanto, uma separação, um limite, entre a razão e o sentimento – tudo o que submete o homem ao primado das impressões deve se integrar e unir sob a consciência luminosa de uma personalidade, que, espetacularmente até, quanto melhor se unifica parece conter em si uma proporção dialética semelhante aos seus fatores unitivos. Por que? É simples: a Perfeição é também a Unidade. No mundo em que vivemos, por mais heterogênea que seja a sua composição, por mais policromática que seja a disposição da sua natureza física, e ainda que leis primordiais levem antes a um caos amorfo de incoerências aparentes ao invés de uma sintonia bela e profunda, tudo, ainda assim, possui uma origem eterna e imutável comum e uma finalidade eterna, imutável e comum. Portanto, podemos, talvez, constatar caracteres do que denominamos “natureza”, ou “realidade”, ou “existência”, aqui e ali, mas o fundo absoluto de todas as coisas e fenômenos tende a um ponto único, a algo indeterminado que abrange e que consiste toda a realidade, que é a existência em si, de tudo aquilo que podemos apenas denominar, e quando muito, distinguir com a nossa observação. Assim sendo, não tenho motivos propriamente filosóficos ou sistemáticos para acreditar na unidade possível da consciência e do homem; mas parece-me sempre estranho, sempre insensato, o fato de que, voluntariamente, desejemos abraçar o desequilíbrio, a efemeridade, as emoções súbitas e espontâneas, a obscuridade que nos leva à dispersão e à multiplicidade desastrosa. E tive, ao longo da vida, muitas evidências de que, quando os sentimentos dominam o destino de um homem, a única coisa capaz de salvá-lo emerge do pensamento, da voz universal que sutilmente sussurra na consciência e que nos revela o mundo oculto que espreita à sombra do “nosso mundo”, daquilo que, muitas vezes tolamente, enxergamos sem ver. Um mundo muito maior, muito mais digno, muito mais elevado, que cada homem leva consigo durante toda a sua vida, e que, ademais, pode passar toda uma vida a desconhecer o patrimônio que carrega; o Deus que o convoca à verdade, o Deus que lhe dá o poder de distinguir uma pedra de uma árvore (e isto, fundamentalmente, é uma descoberta muito maior e mais incrível do que a do átomo ou a observação de novos mundos). Acredito que, todos os dias, deve necessariamente nos ocorrer algumas determinadas perguntas: o que nos leva a ir contra aquilo que existe de mais belo e verdadeiro em nossas existências? Por que amamos aquilo que apenas temporariamente emerge e fica à superfície, e por este amor profano chegamos ao ponto de declarar guerra ao que há de desconhecido nas profundezas? Talvez não seja possível amar o que se teme, mas talvez o objeto de nossa adoração seja o mais terrível, o mais perigoso, o mais destrutivo: e enquanto nos autoflagelamos numa fantasia horrível e hipócrita, ajoelhados e caídos perante os nossos ídolos, toda a verdade é esquecida numa campa escura envolta pela flora parasitária e cabisbaixa das ilusões. Cultuamos o nada, a nulificação, o apodrecimento – não por algo ser o que é, mas pelo tanto de segurança, privilégio, aceitação ou vantagem que uma mentira pode nos assegurar. Não é quase um paradoxo que o homem se deixe assassinar pela mentira, mas não espera jamais morrer, matar-se, em nome da verdade? Isto parece revelar-nos uma descrição anatômica da farsa – a de temer uma silhueta qualquer na parede, e ignorar a faca em nossas costas.
Igor RivellinoSem categoria