Depois que os tempos passarem, depois que as almas que enchiam os espaços, transmudadas numa atmosfera cintilante de nostalgia e contemplação, depois que as vozes silenciarem e calor algum nos robustecer a avidez sincera do espírito, depois que os corpos descarnarem nos sombrios desertos do apodrecimento, depois que irem morrendo e se apagando os risos, depois que a música falhar por todo o sempre morta e fria, depois que a dança petrificar no jazigo da morte mais escura, depois que o homem, afinal, exausto de tudo, cansar e não olhar: mas abrir a sua mente para os céus divinos, será aí que, feliz e destemido, com o coração crivado de sofrimento e angústia firme continuamente a sangrar, poderá depôr nas mãos celestiais o tudo de seu âmago, arrancado entre risos e choros do maquiavelismo da dor exultante. Ah! Se deito e transloco o orbe fulgurante e metafísico do pensamento, abrindo escuridões imensas com a minha perscrutação anônima e panteística, se deito e desenrolo os olhos fitos no teto e na universalidade acima, a cartografia profícua e profunda do éter e das transubstanciações do mundo e da natureza, e posso contemplar Deus nos meus sonhos mais belos, e posso ouvir Sua Palavra ecoando entre as pedras, nas ondas dos oceanos, nas imensidões da noite misteriosa e eterna… Se posso, assim, na confusão da virtude e do pecado, pressentir o teu chamado universal no íntimo de todas as coisas e no coração de todas as criaturas, então ah!… Eu não preciso de mais, Deus Pai, do que imergir-me nas cascatas sidéreas que transluzes por toda a matéria, eu não preciso de mais além da Sua Onipresença consoladora, que faz brilhar, no meu peito, um astro sincero de alegria ardente, nascido entre o obscuro indeterminado e plenamente asfixiante do sofrimento. Depois que tudo se transformar e existir da vida apenas o seu necessário resquício, eu, enquanto o homem vil, lúgubre e miserável que sou, me encontrarei detido perante a grande incógnita do Destino, se é verdade que, no silêncio característico da noite, um homem pode cerrar os olhos e incandescer a própria alma com a Sua Plenitude; se é verdade que, depois do mundo, seremos o que somos, e as nossas lágrimas desatinadas no andar desta vida rutilarão como estrelas vencedoras no desfile astronômico dos céus, então, sim – eu acredito que da impérvia mais avassaladora e letárgica, prosseguirei reto e confiante, adorando a singularidade dos seres na arquitetura divina de todo o Universo!
Igor RivellinoSem categoria